Eu chego em casa depois de mais um dia de procuras inúteis e coloco minha banda preferida pra tocar. Enquanto a voz do Renato Russo me acalma eu procuro pensar em tudo que tem me atormentado durante esses últimos meses e incrivelmente, eu não sinto mais um nó na garganta ao pensar em tudo o que aconteceu, nem em todas as brigas que eu tive (e tenho tido) aqui em casa. Eu nem sei se isso é bom ou ruim, mas embora nada tenha de fato mudado - no sentido literal da palavra - tudo tem melhorado.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
#3
Passando pelo corredor, indo do quarto pra cozinha em busca da garrafa de café pra ajudá-la a suportar insuportáveis horas acordada e sozinha, encara o espelho do banheiro por alguns minutos. O piercing minúsculo e torto, doendo de um lado só. O cabelo desgrenhado formando quase ondas, metade solto, metade preso num coque frouxo, a parte solta meio desbotada, mas ainda assim meio roxa, num comprimento idiota que ela não suporta, quando o cabelo nem cai sobre os ombros nem fica acima deles, ridículo. Os alargadores pequenos que vêm sendo aumentados com 'fita', alargadores de oncinha que parecem estranhos à ela. Oncinha soa perua demais, fofo demais, 'colorido' demais pro rosto cada vez mais desbotado, expressão cada vez mais fria e sorriso cada vez mais hostil. Pijama rosa com coraçõeszinhos, pantufas, unhas já machucadas de tão roídas, esmalte vermelho descascado. Olhos vermelhos que provém de uma noite inteira com lentes de contato, sono, e lágrimas. Lágrimas sem explicação, que podem ser tanto de dor quanto de ódio, de felicidade ou tristeza.
De volta ao quarto, com a garrafa de café na escrivaninha e vários livros sobre a cama, olha fixamente pro modem, como se isso pudesse realmente trazer seu sinal de internet de volta, como se toda a sua vida dependesse disso. Como se ela realmente quisesse a internet de volta. Desvia o foco do olhar - como se acordasse - e começa a balançar a cabeça cantarolando uma música do Legião que toca aleatoriamente no seu media player e rabisca alguma coisa num de seus cadernos. Abre a gaveta e remexe, como se estivesse à procura de alguma coisa, e tira de lá um maço de Marlboro Azul, seu cigarro preferido. Pega a caneca verde que serve como porta lápis e cinzeiro, a enche até a metade de água e se senta no parapeito da janela do quarto. Quase 1 da manhã. Ela dá tragos rápidos e desesperados, quase como se quisesse engolir o cigarro, com a mão trêmula, de frio e de medo. Medo daquilo que o futuro possa estar reservando pra ela. O cigarro acaba, e ela ainda observa por alguns instantes o muro do corredor antes de fechar a janela e se deitar, com a cabeça coberta, chorando baixinho com medo de não ser bonita ou inteligente, pensando em mil coisas, como chá de lírio, 100 gramas de maconha ou só uma garrafa de vodca ou cerveja. Pensando em mil coisas, quaisquer coisas. Em mil formas. Quaisquer formas de sair daqui.
#2
Andei um pouco pela linha ferroviária, mas a ausência da minha câmera fez com que meu primeiro impulso fosse entrar no botequim, onde poderia me esconder do mundo e tomar uma cerveja. Pensei em tudo, tudo, que ia saindo da minha mente e passando pro papel como um jorro de vômito. Tomei mais uma cerveja, acendi mais um hollywood, observando sonhos transformando-se em pesadelos e minha mente gritava, como um alarme de incêndio dentro da minha cabeça e tudo parecia terrivemente medonho e eu podia imaginar alarmes internos soando enquanto a Ku Klux Klan queimava igrejas e levava meu amor pra longe. No botequim tudo parecia sereno e calmo, o velho do balcão servia, e até as putas sorriam com espantosa sinceridade para os homens nojentos que se esfregavam nelas, mas aqui dentro estava mais difícil. Era um dia de sol, mas eu queria passar esse domingo inteiro dormindo e só acordar segunda feira, meu coração, hoje batia a contragosto. Eu era um ser humano devastado, em busca de uma dose violenta de qualquer coisa. Alguém que sentia muitas saudades, mas que precisava se afastar como se fugisse de um vício ou de alguma droga maldita. Eu só queria encontrar respostas para perguntas tão incômodas e expulsar esses pensamentos malignos que invadem a minha cabeça, onde se fundem lágrimas e sangue, mas a mão que apertaria o gatilho tremia para acender o cigarro. Fui pra casa, tomei o calmante que me vinha servindo de sonífero, já não conseguia dormir sem ele - tinha pesadelos a noite toda e acordava cansada. Entrei no banheiro e liguei o chuveiro. Chorei e deixei a água escorrer no meu corpo imóvel como se quisesse dissolver, deixando que os ferimentos que me marcavam o corpo e a alma fossem lavados. Por fim, adormeci, mas amanhã é segunda feira "e ninguém sabe o quê".
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