sexta-feira, 13 de maio de 2011

#3

Passando pelo corredor, indo do quarto pra cozinha em busca da garrafa de café pra ajudá-la a suportar insuportáveis horas acordada e sozinha, encara o espelho do banheiro por alguns minutos. O piercing minúsculo e torto, doendo de um lado só. O cabelo desgrenhado formando quase ondas, metade solto, metade preso num coque frouxo, a parte solta meio desbotada, mas ainda assim meio roxa, num comprimento idiota que ela não suporta, quando o cabelo nem cai sobre os ombros nem fica acima deles, ridículo. Os alargadores pequenos que vêm sendo aumentados com 'fita', alargadores de oncinha que parecem estranhos à ela. Oncinha soa perua demais, fofo demais, 'colorido' demais pro rosto cada vez mais desbotado, expressão cada vez mais fria e sorriso cada vez mais hostil. Pijama rosa com coraçõeszinhos, pantufas, unhas já machucadas de tão roídas, esmalte vermelho descascado. Olhos vermelhos que provém de uma noite inteira com lentes de contato, sono, e lágrimas. Lágrimas sem explicação, que podem ser tanto de dor quanto de ódio, de felicidade ou tristeza.
De volta ao quarto, com a garrafa de café na escrivaninha e vários livros sobre a cama, olha fixamente pro modem, como se isso pudesse realmente trazer seu sinal de internet de volta, como se toda a sua vida dependesse disso. Como se ela realmente quisesse a internet de volta. Desvia o foco do olhar - como se acordasse - e começa a balançar a cabeça cantarolando uma música do Legião que toca aleatoriamente no seu media player e rabisca alguma coisa num de seus cadernos. Abre a gaveta e remexe, como se estivesse à procura de alguma coisa, e tira de lá um maço de Marlboro Azul, seu cigarro preferido. Pega a caneca verde que serve como porta lápis e cinzeiro, a enche até a metade de água e se senta no parapeito da janela do quarto. Quase 1 da manhã. Ela dá tragos rápidos e desesperados, quase como se quisesse engolir o cigarro, com a mão trêmula, de frio e de medo. Medo daquilo que o futuro possa estar reservando pra ela. O cigarro acaba, e ela ainda observa por alguns instantes o muro do corredor antes de fechar a janela e se deitar, com a cabeça coberta, chorando baixinho com medo de não ser bonita ou inteligente, pensando em mil coisas, como chá de lírio, 100 gramas de maconha ou só uma garrafa de vodca ou cerveja. Pensando em mil coisas, quaisquer coisas. Em mil formas. Quaisquer formas de sair daqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário